Com a sociedade esfacelada e indefinida em vários aspectos, algumas questões passam a tornar-se dúbias, uma vez que os fundamentos clássicos para elas talvez não sirvam mais a uma resposta clara. Saber qual é o papel da escola atual e, mais especificamente, o papel do professor (ou educador) é uma das perguntas cujas respostas não têm vindo com muita objetividade. Antecipadamente, entendo que a escola não pode acumular funções, sob pena de não realizar nem mesmo aquilo a que se destina.
Deixando de lado o discurso de que a escola precisa acompanhar a geração atual etc, meu questionamento se relaciona ao modo como os alunos têm chegado às salas de aula: desacostumados a cumprir normas, descomprometidos consigo próprios, não cientes da importância que a educação deve exercer em suas vidas. Em linhas gerais, este é o perfil dos estudantes do ensino básico atual. Se é evidente que cabe à escola contribuir com a sua formação, também é claro que sem o apoio das famílias - quase sempre desestruturadas - torna-se impossível realizar essa tarefa de maneira bem-sucedida.
Os adolescentes atuais são indivíduos que dominam várias habilidades tecnológicas e virtuais; aprendem rapidamente a tocar instrumentos musicais; editam vídeos com uma facilidade admirável; operam com perícia os computadores. Todas essas habilidades, no entanto, são obtidas aleatoriamente pela disponibilidade que essas ferramentas apresentam, sem disciplina para utilizá-las no momento devido e de forma otimizada. Apesar de todas essas qualidades, não há noção do que seja respeitar limites. Então, entramos naquilo que muitos dizem - e concordo - de que a função de sistematizar esses conhecimentos é da escola. É dela a competência de fornecer o embasamento teórico necessário à facilitação da vida desses alunos. Muitos alunos parecem não dispostos a aceitar isso, visto que vão para a escola simplesmente por obrigação ou por causa das "resenhas" que farão antes, durante e depois das aulas. Aprendizado é quase nulo.
Grande parte do corpo discente advém de grupos familiares inseridos em situações adversas: problemas sociais dos mais diversos matizes, como violência, álcool, drogas, separação de pais, criação pelos avós ou até por outras pessoas. Sem precisar ser especialista no assunto, sabemos que tais aspectos interferem diretamente na socialização e no aprendizado dos meninos, a ponto de não estarem nem um pouco interessados nos ensinamentos dos mestres, com raras exceções. Há uma falta de direcionamento incrível; os problemas são cada vez mais diversificados e em quantidade cada vez maior. O professor, na sala de aula, tem que funcionar como um herói, o "salvador da pátria", para - além de exercer o que lhe compete, ou seja, a transmissão e aplicação dos conhecimentos fundamentais - ainda sanar a situação social em que bom número de seus alunos se encontram. Nunca deu - nem dará - certo.
Na maioria das situações, a cobrança sobre os educadores é constante e injusta, a meu ver. Quando analisados, os professores são colocados contra a parede pelos resultados insatisfatórios (números), como se a explicação para o desempenho dos jovens estivesse condicionada "apenas" ao aprendizado em si. As questões que citei acima são geralmente colocadas de lado, ainda que tais análises partam de quem se diz técnico em educação. São profissionais que enxergam as coisas às vezes de maneira muito limitada, lendo - e não interpretando - números que deveriam levar em consideração os aspectos gerais que envolvem ensinar para a geração atual. Em síntese: é como se a escola tivesse a função de transmitir conhecimento, aplicá-lo e ainda solucionar os problemas sociais vividos pelos alunos. Isso é distorcer o papel da instituição e dos professores. É cobrar-lhes algo que eles não têm ou não podem oferecer.
Seria preciso rever alguns modos de conduzir a educação também nesse sentido. A escola precisa apoiar, sim, seus alunos em todos os aspectos que estiverem a seu alcance. É necessário, também, que haja políticas concretas que ataquem os problemas sociais vividos antes da chegada desses meninos aos bancos escolares. É fundamental que se criem estratégias para acompanhar crianças que não têm o devido comprometimento por parte de seus tutores. Por mais que os educadores tenham boa vontade de ajudá-los, há tarefas que não lhes competem. Eles estão sempre desamparados, sem respaldo, enfrentando cargas horárias desumanas, mal conseguindo realizar o que já é de sua obrigação. Não se pode substituir a aquisição do conhecimento por socialização vaga, esperando apenas a presença do aluno nas salas de aula como refúgio dos problemas que enfrenta em casa, sem que veja naquilo uma real oportunidade de mudar sua vida. Desejar que o professor resolva tudo é querer que ele faça milagres. Professor não é milagreiro: é, no máximo, um incentivador do conhecimento.
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