Cassildo Souza
Essa estória de tudo só começar depois do carnaval simboliza bem o que nós somos enquanto brasileiros. Um clichê sem graça, mas que tem efeitos danosos à nação. Alguns me dirão que não se pode mudar nada, então que se dance conforme a música. Uma música que - a exemplo do que ocorre no campo artístico brasileiro - enjoa de tanto tocar sem apresentar mensagem concreta. A grande mídia, as autoridades políticas e os grandes empresários vibram com essa mentalidade retrógrada, mas que acomete até mesmo certas pessoas consideráveis sensatas. Isso é bom para essa minoria, não para nós, a maioria.
Respeito o evento como uma expressão cultural - até o ponto em que é realmente uma manifestação espontânea, de produção humana. Dentro do evento, há vários segmentos, várias linhas de abordagem e manifestação. A partir do momento em que se passa a pregá-lo como uma massa de manobra - como o fazem a mídia televisiva e a virtual - ele deixa de ser uma manifestação espontânea. E é essa a vertente que está associada à célebre frase de que "No Brasil, tudo só funciona depois do carnaval". Eu discordo. Nem depois do carnaval, somos capazes de fazer o país andar.
No Brasil, nada funciona nunca, exatamente por essa mentalidade de tudo ser balada; tudo é alegria de fachada; tudo é festa. Uma comemoração constante, como se motivos tivéssemos para tal. É evidente que não se deve pregar o enclausuramento, a censura à celebração da vida; mas é preciso saber o que se está celebrando ou se há, em dado momento, motivos para isso. Nessas horas, eu não vejo pessoas protestando contra a falta de água e potencial falta de energia, m refiro àquelas que saíram às ruas em junho/2013. Basta um evento festivo e as ideologias ficam para trás. Tudo é esquecido num "passe de mágica". Esse fenômeno independe de quem esteja à frente da nação.
Temos uma via tríplice: o carnaval da elite, que pode pagar até R$ 85 mil para ver o desfile das escolas de samba e ostentar seu poder aquisitivo; as "migalhas" desse mesmo carnaval, a cargo das transmissões televisivas cujas emissoras faturam milhões de reais, direcionadas a quem fica em casa acreditando que realmente somos o país do carnaval; o carnaval do povão - em clubes ou de rua - talvez o mais legítimo de todos, mas que tem perdido seu espaço ou porque não têm apoio de órgãos governamentais ou porque também sofreu uma manipulação passando de cultura popular a cultura de massa. O que isso tem a ver com o tema aqui abordado? Tudo. Qualquer que seja o estilo da folia, trata-se de um período em que cegamos para todos os problemas sociais a que estamos expostos. Está tudo bem arranjado.
E o período de trégua nunca acaba na Quarta-Feira de Cinzas. Ele se estende até o próximo carnaval - o da elite ou do povão - e assim o círculo vicioso do tudo "só começa depois do carnaval" renova-se. É simples: aqui, vive-se o ano todo como se estivéssemos no carnaval. Somos um verdadeiro carnaval.
Um comentário:
Cassildo, preciso da sua ajuda. Encaminhei um email para duvidas no ar! Aguardo.
Postar um comentário