A ignorância é caríssima
Três notícias no jornal me falam da mesma coisa de forma diferente.
A primeira, quase como se fosse uma revelação ou escândalo, informa que um colégio de subúrbio no Rio, lá na Penha, foi o mais bem classificado entre todas as escolas do estado. O detalhe é que ele não tem nada daquilo que caracteriza os grandes estabelecimentos de ensino. Ou seja, não tem prédios modernos, não tem quadra de esporte, nem mesmo um auditório. E, no entanto, a Escola Municipal João de Deus obteve a maior nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Como explicar isso?
Simples, simplíssimo: a chave é a leitura. Diz a diretora Luciana Landrino: “Temos projeto de desenvolvimento pela leitura, da pré-escola até o quinto ano. Uma por semana, os alunos são obrigados a pegar dois livros de literatura para ler em casa”. Outra invenção do colégio é a ênfase na redação: criaram o Correio Escolar. Os alunos devem escrever, toda semana, carta para um colega de classe e os textos são lidos em voz alta.
A segunda notícia veio na página de ciência de um jornal. Informa que “O Brasil forma mais doutores em humanas” e que as “ciências exatas e da terra caíram para o segundo e sexto lugar entre as que mais geraram PhDs entre 1996 e 2008”.
A matéria começa por dizer que “o doutorando brasileiro está cada vez mais interessado em Machado de Assis e menos em relatividade.” Li isso com interesse e quase espanto − logo eu, que, sendo leitor de Machado, cada vez me interesso mais pela relatividade.
Pois bem. A reportagem continua, mas exibe um mal-entendido, quase um lamento pelo fato de as ciências humanas terem crescido mais que as exatas. Diz uma autoridade do CNPq que o país precisa de pessoas para o programa espacial, o programa antártico, a política nuclear, as questões que envolvem o clima, agricultura e pré-sal.
Concordo. Mas onde o mal-entendido?
Uma coisa não elimina a outra. Está provado nas sociedades mais desenvolvidas que a formação em humanas e sociais aperfeiçoa a formação nas exatas. Meu amigo Cláudio Moura Castro, que hoje está em Belo Horizonte e passou uns 30 anos no exterior lidando com educação, tem dados irretorquíveis de que engenheiros, economistas, biólogos etc. melhoram muito quando têm formação humanista.
E aí entra a terceira notícia que vem a favor de minha tese. Informa o correspondente, lá de Londres, que no Reino Unido ficou provado, nos últimos 12 anos, que a indústria cultural foi a que mais gerou empregos. O governo inglês chegou à conclusão de algo que estou repetindo há milhares de anos: cultura é um setor estratégico, não tem nada a ver com o supérfluo. Fizeram as contas e viram que o teatro, a música e outras áreas da cultura, além do que devem produzir, geram dinheiro e emprego.
Por isso, quando as pessoas ficam discutindo o pré-sal vendo nele o futuro do Brasil, costumo botar a questão de cabeça pra baixo e dizer: o verdadeiro pré-sal é a cultura. Machado de Assis não é incompatível com a lei da relatividade.
O crescimento de doutores nas áreas de humanas e sociais deve ser visto como progresso. Até as crianças da Escola João de Deus, na Penha, sabem disso.
De resto, é como já li em alguma parte: se você acha que educação é cara, experimente a ignorância.
Meus caros, a ignorância é caríssima.
(Affonso Romano de Sant’anna / In Estado de Minas, 11/07/2010)
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