Cassildo
Souza
Nos últimos tempos, tenho me desiludido de vez com o
país, entendendo que este é formado de pessoas – não necessariamente bem
intencionadas – as quais vêm contribuindo
para que não achemos muita coisa de interessante por aqui. Tenho refletido
bastante sobre o que pode ser bom aqui no Brasil. A eterna imagem do carnaval e
do futebol como aspectos simbólicos de afirmação já não cola há algum tempo. Em
outras instâncias essenciais ao desenvolvimento de uma nação, será que temos
grandes exemplos de retidão? Temos pessoas que querem qualificar-se, educar-se,
melhorar? Temos políticos sérios? Temos meios de comunicação isentos? Essas
questões me perseguem ultimamente.
Começo respondendo à própria pergunta reflexiva do
segmento anterior: temos, sim, alguns exemplos de retidão, temos pessoas que
querem qualificar-se, educar-se, melhorar; se existem políticos sérios e meios
de comunicação isentos, no mínimo percentual que seja, já tenho minhas dúvidas.
O fato é que, mesmo admitindo que nem tudo está perdido, o que sobra de
negativo tende a ser muito mais avassalador do que as raras exceções de conduta
idônea que vamos observando ao longo dos tempos. Infelizmente, tais posturas
duvidosas vêm não somente das autoridades políticas, mas de cidadãos comuns, de
profissionais do serviço público e dos meios de comunicação. Envergonhamo-nos
pela nossa reputação internacional, e ao mesmo tempo não contribuímos para que
ela seja positiva.
Costumamos cobrar as mudanças de cima para baixo: o
governo e o parlamento, em nossa concepção, devem ser exemplares – premissa com
a qual concordo plenamente, mas ponderando que não somente esses níveis devem
primar pela correção. Parece existir uma teoria segundo a qual se quem está no
poder representativo age com honestidade, tudo se resolve. Sabemos que isso
passa longe de ser verdadeiro. Não podemos individualizar as práticas. Temos
que exigir, sim, honestidade dos políticos que nos representam, porque se estão
lá, é para fazer valer o poder que lhes concedemos, além do mais recebem seus vencimentos
do nosso bolso. No entanto, também não estamos – enquanto povo – livres de
procedermos de mesma forma, para legitimarmos as nossas reivindicações. É
contraditório dizermos que corrupção é crime, se ao fazermos uma transação
comercial levamos vantagem sobre o nosso parceiro, de forma consciente.
Outros fatos me intrigam nesses questionamentos.
Por que alguns grandes empresários, sonegadores de impostos e exploradores da
mão de obra de milhares de trabalhadores, são geralmente esquecidos nas reivindicações
por mudança? E os meios de comunicação, por que são eximidos dessa ética que
tanto nos falta, para que sejamos uma nação no mínimo justa? Não podemos deixar
de focar aqueles que nos representam pelo voto, mas também não podemos achar
que os outros segmentos podem agir da forma que bem entenderem. É certo que,
conforme presumimos, tudo é uma cadeia em que muitas vezes tais segmentos se
entrelaçam com base num objetivo desonestamente comum. Os interesses pessoais
são alimentados por trocas de favores que envolvem políticos, funcionários
públicos, grandes redes de comunicação, grandes empresários de diversos
setores.
Não
há mudança sem conscientização, mas ela precisa iniciar da consciência
tranqüila, não apenas por puritanismo, mas porque todos são beneficiados quando
todos se ajudam. Muitas vezes os louros chegam a ser até mais interessantes do
que as migalhas que certos atos ilícitos proporcionam. Sabemos que, na rede de
corrupção, também impera a lei do mais forte. Uma minoria fica com a parte do leão,
e a minoria não passa de cobaias, pensando sempre nas “facilidades”, no
descumprimento a uma obrigação, num resultado que além de irrisório contribui
para um atraso grande no desenvolvimento. Atraso que começa pela nossa imagem
diante dos outros países, pelas chacotas que fazem do Brasil quando se analisam
nossa educação, saúde e segurança, especialmente. Somos responsáveis pela
imagem do país onde vivemos e antes de sairmos às ruas para protestarmos – ato
também garantido pelo Estado Democrático de Direito – pensemos nessas complexas
questões.