Tolerância 1000
Cassildo Souza
Observando a
situação do país estes dias, veio-me a sensação de que – como povo – somos
muito passivos, tolerantes com os atos de corrupção, conformados demais com os
descasos que a nação atravessa ao longo da história. Somos filhos da cegueira
eterna, da mesmice política que nos toma conta. Não conseguimos enxergar o
óbvio. As décadas transformam-se em séculos e seguimos sofrendo, sofrendo,
sofrendo, sob as mais esdrúxulas justificativas do tipo “o Brasil é assim
mesmo”, “O Brasil não tem solução”, “Fulano rouba, mas faz.”
Lastimável. Nossa conivência com atos inescrupulosos
chega ao nível máximo, numa espécie de relação estranha, já que tudo isso recai
sobre nossos ombros. Chego a pensar (tenho quase certeza disso) que existe
cumplicidade com tais atitudes, numa espécie de relação mútua, como se
esperássemos o dia em que qualquer um de nós cometerá um delito dessa natureza
e, portanto, estará isento. Uma relação de troca no mais legítimo estilo de “um
dia poderá ser eu”. “E caso eu esteja na mesma situação, também quero ser
absolvido”. Duro admitir tamanho absurdo, mas não espanta que assim seja, em se
tratando de Brasil.
Agonizamos na
educação, na segurança pública, no respeito aos direitos civis; na saúde –
pública ou privada – a situação precária só progride; a infraestrutura de
algumas cidades não garante o fluxo das construções ou dos automóveis; a falta
de recursos hídricos só torna iminente a existência de um colapso, mesmo sendo
nosso país um dos mais ricos hidricamente do planeta. E o que fazemos? Aceitamos
calados e quando ameaçamos usar nossa voz, apenas o fazemos denegrindo a imagem
daqueles que pensam diferente de nós. Sempre fugimos ao foco do debate que
deveria haver, porque há também uma mentalidade politiqueira que leva ao
fanatismo.
Discutir sobre
os problemas do país não pode confundir-se com brigar por facções. Isso
alimenta a nossa passividade. Somos atrasados ao ponto de inverter a situação,
considerando-nos dependentes dos políticos, quando eles é que devem depender de
nós para conquistar seus cargos. E depender de nós significa estarem
comprometidos com nossas agendas, cientes de que se assim não fizerem, nós os
excluiremos de nossos contatos, de nossos possíveis representantes. Sonhar é
muito bom. Estamos muito distantes disso. Nossa tolerância é espantosa, porque
ela está ligada intimamente a nossa cumplicidade, nossa conivência histórica. Criticamos
nos políticos muitas atitudes que nós, no dia a dia, cometemos.
As gerações
atual e futura não podem desanimar; pelo contrário, elas é que poderão
contribuir para que tal mentalidade seja banida de uma vez por todas de nossas
cabeças; para que nos esqueçamos das pelejas partidárias, do clientelismo
barato que só prejudica a busca de soluções concretas para tais problemas.
Todos esses fatos nos tornam “hipertolerantes” com a elite que domina o Brasil
– de qualquer que sejam as cores partidárias. O pacote é completo, e nosso erro
é justamente querer eleger como culpado apenas um lado, visto que todos os
pólos de nossa política – em meu questionável entender – não se diferem muito
um do outro.
Nossa “Tolerância
1000” certamente é considerada um aspecto favorável a quem “comanda” a nação. E
quando digo “comanda”, estou me referindo aos 3 Poderes: executivo, legislativo
e judiciário (propositalmente com iniciais minúsculas). Os membros de tais
representações conhecem o povo de sua nação e, por isso, estão cada vez mais
acomodados em atender aos problemas que nos atingem. Nossa preocupação diária é
com as baladas que virão, com a próxima novela das 9 ou com quem será campeão
brasileiro. Estudar, refletir e cobrar melhorias nunca está em nossa agenda
pessoal.
O Brasil vai
bem, obrigado. Desde 1500.
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