Não quero criar polêmicas (nem
tenho mais idade para isso - se é que idade interfere), mas sou daqueles que
entendem haver um equívoco quando se diz "O Brasil é o país do
carnaval". Há um erro em pelo menos 50% da afirmação. Sao vários os
brasileiros que não suportam tanto barulho, tanta manipulação e tanta coisa
dita carnavalesca que não mais é. Mas a impressão que os veículos de
comunicação mais prestigiados nos passam é de que a maioria absoluta dos
brasileiros curte essa festa compartilhando da ideia de que tudo deve iniciar
apenas depois dessa celebração. Essa ideia, pensada muito cuidadosamente, tem
funcionado.
Algumas pesquisas realizadas em
meados dos anos 2000 comprovaram que mais da metade da população brasileira não
aprecia o período carnavalesco e que esse percentual se refugia nos dias da
folia. Alguns vão às praias mais calmas, outros se dirigem à zona rural,
milhares saem para os retiros. Pela televisão e internet, parece ser o contrário.
A pompa que se dispensa às festividades, com transmissão de desfiles das
escolas de samba ou bailes, é digna de veículos de comunicação gigantes que
conseguem através da publicidade fazer tudo parecer necessário, essencial,
perfeito, o que não corresponde à
realidade. Uma manipulação maquiavélica.
Mas isso é apenas uma analogia do que acontece historicamente no Brasil.
Estamos, ou parecemos estar, na terra do "quase", do
"faz-de-conta", da imitação, da demagogia, da mentira velada. O
carnaval aparece como uma festa do povo, com a conivência dos meios de
comunicação mais populares; é "fabricada" para que as pessoas a
recebam assim. Isso é uma continuidade do ocorre com as políticas públicas, com
o cuidado à população, com a estrutura da educação, da saúde, da segurança. Se
tudo isso, bem mais relevante do que o carnaval, é sempre manipulado e não nos
atende a contento, com o carnaval não poderia ser diferente. E, então, ele
acaba se transformando também num modo de fazer o povo esquecer-se do que é realmente
importante. E haja misturas: bebidas, direção, sexo sem segurança, acidentes,
gravidez indesejada. É a festa do povo. E o país? "Deixa pra lá".
Não nos enganemos, pois a frase
"No Brasil tudo começa depois do carnaval" foi disseminada pela
classe elitista com o intuito de ser incorporada pela população brasileira. Há
uma junção entre o pensamento de que o evento é da maioria - quando não é - e o
fato de que tudo realmente precisa iniciar após esses festejos. Tal mentalidade
influencia até mesmo aquele percentual que não gosta de cair na folia, o que
constitui algo preocupante demais para um país que se deseja chamar de
"evoluído". Tudo "fake", maquiado, de fachada. E, assim, vivemos de "curtição",
brincamos com coisa séria, dizendo que tudo deve começar após o carnaval,
depois lamentamos violência, corrupção e fatos afins. É o Brasil, sempre mestre
em fazer parecer aquilo que não é.
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