Cassildo Souza
O choro de pais, mães, parentes e desconhecidos das vítimas da tragédia de Realengo, numa comoção nunca vista antes em nosso país, denuncia o tamanho do acontecimento de quinta-feira passada, mobilizando uma sociedade imediatista e oportunista a abordar temas como violência, bullying (nunca esteve tão em moda), psicopatia, fanatismo religioso e coisas afins. Mas, enquanto cidadãos, devemos analisar a situação de maneira fria e não fugir à responsabilidade de que somos – todos nós – os verdadeiros culpados por aquela catástrofe.
No histórico do atirador e suicida – rapaz de 24 anos, batizado como Wellington Menezes – há um ambiente totalmente propício àquilo que pode traumatizar uma criança (perdoem-me os profissionais da psicologia se usei indevidamente o termo). Isolado, muitas vezes insultado pelos colegas de escola, sem amigos e fanático por jogos de computador, o assassino era criado por pais adotivos, tendo a sua mãe biológica apresentado, segundo testemunhas, problemas psicológicos antes de cedê-lo aos segundos pais. A construção desse episódio, assim, teve início muito antes daquela “quinta-feira de trevas”, e as semelhanças com outros atentados dessa natureza pelo mundo acentua ainda mais que a rejeição, a violência e a exclusão podem ter efeitos desastrosos na formação de uma pessoa.
Na situação em que Wellington vivia, existem inúmeras crianças e jovens atualmente. Quantos não são rejeitados pelos pais! Outros, se não foram rejeitados, não recebem a devida assistência, o devido carinho: meninas engravidam cedo e não dispõem de uma estrutura emocional necessária à criação de seus filhos; falta diálogo; não existe acompanhamento sobre o que os adolescentes estão fazendo, com quem estão saindo, que atividades estão realizando. E a sociedade – cruel e preconceituosa sempre – pouquíssimo faz para ajudar aqueles que se encontram em situação de risco, preferindo julgá-los e perpetuar a individualidade, a não- preocupação com seu “vizinho”. Mas, quando somos vítimas de algum delito, rapidamente saímos de nosso toca, para cobrar ações da polícia, do Judiciário, dos Parlamentares, menos de nós próprios.
Não havemos de classificar esse terrível caso como violência urbana que nos tem acometido nos últimos anos. Podemos até dizer que houve falta de atenção à maneira como ele entrou no colégio, armado, sem que fosse abordado. Mas tudo já estava premeditado, o atirador conhecia muito bem o ambiente que escolheu para acabar com o sonho de 11 vidas que se iniciavam. Havia estudado lá e ter assassinado os alunos exatamente ali traz indícios de que aquele local não lhe trazia lembranças positivas. Suicidar-se depois só confirma que esse ser humano estava em total desconexão com a vida que levava, regada à compulsão de jogar “Counter Strike”, um game que se caracteriza por contabilizar os tiros fatais que são comandados pelo jogador. Infelizmente, ele aprendeu aquilo muito bem e deixou órfãs famílias, parentes, amigos. Deixou órfãos, também, os desconhecidos, assim como nós, que não abandonamos ainda a perplexidade.
A reflexão de toda a sociedade é necessária para que não creditemos essa tragédia marcante somente a um indivíduo. Temos, sim – e é difícil admitir isso – nossa parcela de responsabilidade, sobre este fato especificamente, e sobre muitos outros atos de violência que têm povoado nossa geração. Enquanto formos egoístas, excludentes, enquanto tivermos o “olho gordo” para conservar apenas o que é nosso, sem nos atermos aos problemas gerais que afligem o mundo, outras ocorrências dessa natureza poderão acontecer – espero que não – e não estamos livres de sermos as próximas vítimas. Ou nos unimos agora em prol de um equilíbrio entre as pessoas, ou poderemos dormir para sempre, como o fazem hoje aquelas onze vidas que apenas engatinhavam seus sonhos, suas esperanças, sua vontade de crescer.
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